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Dom de Maneloião

Tem menino que cresce, mas continua menino. Maneloião, apelido de Manoel da Conceição Neto, é um desses “meninos crescidos”, que não esqueceu seus saberes lá da infância. Criado entre as cheias e vazantes do rio São Francisco, o Velho Chico, Maneloião ainda guarda nas mãos a sabedoria de construir brinquedos.

No Quilombo da Lapinha, tem muitos Manés – e todos têm apelido. Tem o Mané Saruê, Mané Periquito (adorava matar essa ave), Mané Catitu (gostava de caçar porco do mato). Dono de olhos grandes, Manuel virou Mané Oião, que o povo chama deliciosamente de “Maneloião”.

Da época de menino solto pelas beiradas do Velho Chico, lembra da fartura de peixe. “Duas tarrafadas e a gente voltava com muito peixe. A comida nossa era o rio”, conta Maneloião sobre o Velho Chico, que chama de “pai e mãe” do povo dali.

Recorda-se dos ensinamentos fabulares do avô, Nhô Nhô Chico, que morreu com quase cem anos e dizia aos netos: “Nunca tenha pressa de chegar logo num lugar, você não sabe o que vai encontrar lá na frente”. Maneloião ri ao lembrar.

Na infância, o menino passava horas às voltas com a construção de carrinhos de lata. “E faço até hoje”, conta. Com latas de óleo de cozinha, chinelos velhos de borracha, pedaços de imburana (com madeira macia), fez numa tarde chuvosa um “carrinho com direção hidráulica”.

“Como menino sabe fazer tanta coisa, Maneloião?”, perguntei lá pelas tantas. “Ah…”, fez uma pausa o homem de fala mansa e risada fácil. “Ninguém ensina, não. Isso é dom de menino, moça”, disse Maneloião, emendando a resposta num sorriso largo e bonito.

Texto: Gabriela Romeu

Fotos: Samuel Macedo

 

 

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