Exposições

Trilhas do Brincar

Criança quer brincar. Se não há quintal, ela inventa. Se falta material, ela transforma. Assim, meninas pulam amarelinha sobre carteiras com a ponta dos dedos, em Minas Gerais. No Espírito Santo, meninos transformam mandioca em avião. No Recôncavo Baiano, chinelos de borracha e sacolinha plástica formam um barco à vela. Lata vira carrinho. Espiga se transforma em boi. Pedra serve de fogão e madeira, de cavalinho.

A exposição “Trilhas do Brincar”, em cartaz no Sesc Santo André até 28 de julho, reúne alguns desses brinquedos e brincadeiras das crianças de todo o Brasil. A exposição surgiu em Santos (SP) como desdobramento do Mapa do Brincar.

Em Santo André, as paredes da exposição deram lugar a um grande armazém de brinquedos, que são apresentados em seu processo de criação pelos quintais do país. Pedacinhos de memória e de natureza se misturam a brincadeiras e brinquedosfeitos (ou inventados) pelas crianças de hoje e de ontem.

Enquanto investigam como são feitos os carrinhos de rolimã ali expostos, meninos e adultos veem refletida no vidro sua própria infância. Comparam, relembram, inspiram-se. E espiam outras infâncias pelas “janelas” –belíssimas fotos de crianças brincando ao ar livre, emolduradas de forma a parecerem uma paisagem na janela.

Há ainda monóculos pendurados, onde é possível observar o engenho de carrinhos, piões, barquinhos e outros brinquedos que mesclam natureza e cotidiano das crianças. A exposição tem projeto cenográfico desenvolvido por Marisa Bentivegna.

Barquinho da Amazônia

“Mais do que os brinquedos, o armazém trata do brincar de construir”, diz Gabriela Romeu, curadora da exposição em parceria com Renata Meirelles. “É o processo que está em destaque. Por isso, em várias vitrines deixamos indícios do fazer: pedaços de um pião (do toco de árvore até ele pronto), ao lado de ferramentas como foices e facões, ou uma bota de couro perto de um estilingue, já que os meninos recortam pedaços de botas velhas para fazer parte desse brinquedo. Queremos mesmo é que outros meninos entendam como eles foram feitos”, completa.

Ao final do armazém, fotos ilustram as crianças brincando com o que antes estava em construção. Um dos destaques é o futebol feito no Cariri cearense, em que vidrinhos de vacina fazem as vezes de jogadores de futebol.

Junto a pesquisadores da infância como Gandhy Piorski, Marlene Peret e Selma Maria, as curadoras viajaram o Brasil para coletar materiais e invencionices de todos os cantos: brinquedos do sertão roseano, do Vale do Jequitinhonha, do Médio Xingu, da Amazônia, do Ceará, da Bahia e do Espírito Santo, entre outros.

De lá trouxeram também a linguagem do brincar. Ela está em versos bordados em almofadas para o visitante descansar, em flores com cantigas que soam ao girar a manivela, em vídeos exibidos em um cineminha, escondidos no tronco de uma grande árvore e em nuvens que podem ser alcançadas –basta subir uma escada.

Ao percorrer essas Trilhas do Brincar, o visitante recebe uma caderneta de viagem. Composta pelos traços delicados de Biba Rigo, o caderno ensina brincadeiras, versos, brinquedos (peteca de pano, tamanca, futebol de prego), além de abrir espaço para que o leitor escreva sobre seu próprio brincar.

A memória se conecta à infância por todos os sentidos: pisando o chão de areia do grande quintal no qual o SescSanto André se transformou, tocando a terra, ouvindo o cartunista Laerte, a escritora Heloisa Prieto, o ilustrador Fernando Villela, entreoutros, narrarem suas brincadeiras preferidas da infância, tomando suco de sol (laranja) e de chuva (uva) ao final da visita.

A infância não está emoldurada. Mais do que teorizar, a exposição se preocupa em compartilhar. Não lança um olhar sobre a criança, mas a partir dela, convidando o visitante a entrar nessa roda: girar sentado sobre um carretel gigante, pular corda, elástico ou amarelinha (que pode ser desenhada num chão de giz), empurrar barquinhos sobre a água. Experimentar outras infâncias e se conectar com a sua. Emocionar-se. Enxergar com olhos de novidade, como fazem as crianças.

Texto: Gabriella Mancini

Fotos: Samuel Macedo

 

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