série Quintais

Xô, xô, piaba!

Imagine ter um rio como quintal! No Quilombo da Lapinha, em Matias Cardoso (Minas Gerais), as crianças brincam, nadam, pescam, tomam banho e lavam roupa no rio São Francisco, mais conhecido como Velho Chico.

Se perguntar a algum menino ou menina quem o ensinou a nadar, a resposta vem mais ou menos como aquela música do folclore que diz que foram “os peixinhos do mar”.

“Aqui, foi a piaba que me ensinou a nadar”, brinca Tainara Batista da Conceição, 13, que engoliu uma aos nove anos de idade.

É tradição por lá as crianças engolirem o peixinho vivo, que acabou de ser pescado no rio.

Hora boa para pegar piabinhas é quando vão lavar louça na beira do rio. “Dá para pegar com peneira ou escorredor”, diz Adriane de Oliveira Paz, 13, que todo dia cruza o Velho Chico de canoa para ir à escola.

Assim como seus pais, as crianças respeitam o rio e suas “águas valentes”. Ele garante muitas vezes o sustento nas refeições e ainda alimenta o imaginário com seres encantados.

Um deles é o Caboclo d’Água, um tanto temido pelas crianças. Jogar pedra no rio, nunca. “O Caboclo não gosta e se irrita”, diz Paulo Henrique Batista da Conceição, 14.

E como o Caboclo é? Mal a pergunta chega ao fim, e as crianças saem correndo da água. “Dizem que ele vem pegar, não pode falar dele no rio, não, moça”, avisa Darkcion José de Oliveira Alves, 12.

Depois, longe do Velho Chico, vieram à tona as histórias. Tatiane Batista da Conceição, 10, descreve o Caboclo como “bem moreninho e com cabelo bem ‘pretim'”. “Numa parte ele é peixe e na outra, gente.”

Beiradas do Chico

Crianças e adultos do Quilombo da Lapinha são vazanteiros. Vivem das cheias e vazantes do Velho Chico e plantam nas beiradas do rio, no lameiro, bastante fértil. Antes, a maioria vivia na ilha da Ressaca, que ficava coberta de água na época da cheia.

“Quando dava a cheia do rio, a gente carregava tudo, coisas da casa, alimentos e animais, para a terra firme. Ficava lá até a água baixar”, conta Isabel de Souza Mota, 55, quilombola (pessoa nascida em quilombos, que são comunidades originalmente formadas por africanos escravizados no Brasil).

Texto: Gabriela Romeu

Foto: Samuel Macedo/Infâncias

Texto originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo.

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