série Quintais
Dó e Butico
9 de outubro de 2014 | Postado por Gabriela Romeu
Encantador de jumentos
Entrar no mato para caçar jumento e apostar corrida no lombo do animal é diversão dos cabinhas, como os meninos são chamados no Cariri cearense.
Na Serra do Zabelê, vilarejo da cidadezinha sertaneja de Nova Olinda (CE), os quintais se estendem pelas capoeiras (matas).
Por ali, há muitos jumentos sem dono, soltos também pelas beiras de estrada. Houve um tempo em que esses animais eram úteis para o homem sertanejo. “Hoje já tem moto para pegar água ou carregar carvão”, conta Normando Carlos Telles, o Dó, 12. “Jumento já foi caro, agora ninguém nem quer.”
Se sobram nas capoeiras, viram assunto dos cabinhas. O termo “cabinha” vem de “cabra” (ou “caba”, no falar sertanejo). Homem é “caba”, menino é “cabinha”. Lá pelo Zabelê tem gente que brinca que Dó é “encantador de jumentos”.
Ele tem um jumento chamado Butico, que pegou no mato ainda filhote.
Conseguiu amansá-lo. Butico senta, deita, anda e corre com os comandos do menino. “Gosto mais quando o jumento dá pulos.”
Dó conta que sempre aposta corrida de jumento no Zabelê. Cada menino vai montado num animal, que pode ser o da família ou algum caçado no mato.
“Quem perde tem que voltar para casa puxando o jumento, não pode montar”, conta Dó. “Nunca perco uma corrida”, diz, todo orgulhoso.
Quer dizer, quase nunca. Certa vez, o menino caiu do jumento e levou uma pisada. Ganhou uma cicatriz no rosto.
Sua mãe não quis mais saber do jumento, que foi solto no mato. Mas isso já tem algum tempo – e o jumento voltou para o dono.
Caçada na mata
Seguir os cabinhas (meninos) na caçada aos jumentos nas capoeiras (matas) é uma aventura e tanto. Sol a pino, eles andam ligeiro por quilômetros, procurando o animal em cantos onde tem água.
Estão sempre de olho no chão. Algum rastro pode indicar se quem procura está frio ou quente. “Aqui passou uma cobra”, avisa Ju, apelido de José Carlos Telles Júnior, 10, irmão de Dó.
No caminho, os meninos vão colhendo várias frutinhas. Sabem o que podem ou não comer. “Essa aqui é a banana da raposa, bem docinha”, explica Ju.
Mas nada de jumento aparecer naquele dia. Voltamos para casa a pé, assim como quem perde a corrida no Zabelê.
Texto: Gabriela Romeu
Foto: Samuel Macedo/Infâncias
Texto originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo.