série Quintais

Vida pantaneira

Nas águas pantaneiras que dividem o Brasil da Bolívia, no Mato Grosso do Sul, existe uma ilha chamada Ínsua, onde vivem os irmãos canoeiros Joel Picolomini da Costa, 11, e Welleton Gabriel Picolomini da Costa, 14, indígenas da etnia guató.

A dupla herdou de seus antepassados habilidades para navegar por águas nada calmas. A ilha de Ínsua fica situada entre duas grandes lagoas –Gaíba e Uberaba. Ambas, dependendo das correntes de vento, podem ter ondas que ultrapassam um metro de altura. “A canoa guató feita da árvore ximbuva flutua. É boa para pegar ondas”, explica Welleton, enquanto esculpe uma canoinha guató de brinquedo.

Os meninos são filhos de um artesão que passa dias na mata lapidando grandes canoas guatós. Dele, eles também herdaram a liberdade de exercitar em seu cotidiano a autonomia da subsistência, que sempre fez parte da vida do povo guató.

Brincando no grande quintal de sua aldeia, a lagoa Uberaba, Joel e Welleton trazem no casco de sua canoa cinco peixes grandes para um saboroso jantar com a família.

Mas, nesse pantanal profundo, onde água é o que não falta, o dia dos meninos começa cedo, pouco antes de o sol nascer. Enquanto as ricas [periquitos] fazem a algazarra matinal, eles laçam e aprontam os cavalos para ir à escola. “Vamos a cavalo porque a escola é longe de casa. Fica a quatro quilômetros daqui”, conta Joel, enquanto aperta a sela de um cavalo da raça crioulo, de nome Carandá (palmeira cheia de coquinhos que atraem bandos de ricas).

Já com o sol brilhando, eles seguem no galope. As irmãs vão de bicicleta. Na escola, estudam, entre outras coisas, a língua guató. Quando voltam para casa, pela hora do almoço, Joel e Welleton soltam os cavalos em um campo cheio de palmeiras, vacas, bezerros, patos, marrecos e galinhas. Tem até a surá, galinha pantaneira engraçada, que não tem rabo.

Eles lidam bem com os animais. Conferem se as galinhas têm comida e conduzem o rebanho para o curral. Um ajuda o outro na recolha dos bichos. “Isso para mim é brincadeira. Tem hora que monto o boi”, diz Welleton, doido para fazer a peripécia.

E lá foi ele brincar de peão. Aguentou vários pulos, mas acabou “beijando” o chão. Joel correu para socorrer o irmão, que, batendo a poeira da roupa, resmungou “não foi nada”.

Nômades

Guatós eram povos nômades no passado do Pantanal. Foram considerados extintos até 1970, mas redescobertos por missionários nos anos seguintes. Liderados por Seu Severo e Dona Dalva, que reuniram descendentes que moravam em Corumbá, voltaram às origens. O lugar hoje é reconhecida pelo governo federal como Terra Indígena Guató.

Texto: Marlene Peret

Fotos: Samuel Macedo

Texto originalmente publicado no suplemento Folhinha, da Folha de S.Paulo.

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